sábado, 3 de abril de 2010

Ato estético-político (Seminário do NUES)

INSERINDO ALAGOINHAS NO MAPA TURÍSTICO DO NORDESTE (TEXTO PARA DISCUSSÃO)

Por Dr. Osmar Moreira
Professor de Literatura e coordenador do Mestrado em Crítica Cultural da UNEB/Campus II

Quem não gosta de viajar para conhecer lugares novos, pessoas novas e de participar dessa infinidade de eventos que a natureza e as culturas humanas produzem? Quem tem seu pequeno e/ou grande negócio turístico e que ainda não aprendeu a sorrir e a acolher dezenas de milhares de jovens com suas mochilas e barracas, famílias com adolescentes e bebês chorões? Uma coisa é certa: a fonte de renda derivada do turismo parece inesgotável; a criatividade de donos desse negócio, também.
“Perambulando”, com minha companheira, de carro, por mais de 5.000 quilômetros, da Praia do Forte até Juazeiro/Petrolina, via litoral nordestino (foz do rio São Francisco em Alagoas, João Pessoa, Natal, Canoa Quebrada, Fortaleza), além de Teresina, São Raimundo Nonato e Serra da Capivara, no Piauí, descobrimos que qualquer cidade e/ou espaço rural pode se tornar um lugar com capacidade para atrair pessoas e instituições culturais e/ou de negócios do mundo inteiro.
Tudo fica encantador na natureza (mar, rio, lagos, lagoas, trilhas, dunas, serras, sol, luas e estrelas), tudo passa a ter valor na cultura humana, se há pessoas e instituições comprometidas em cuidar, preservar, organizar e torná-los, natureza e cultura humana, disponíveis a esse bando de refugiados com seus cansaços, stress e/ou a infinita curiosidade de ver esse outro mundo que não passa na televisão ou quando passa é completamente deformado pelas belas imagens.
Se qualquer cidade e/ou espaço rural pode se tornar um lugar com capacidade para atrair pessoas e instituições culturais e/ou de negócios do mundo inteiro, por que Alagoinhas, nessa encruzilhada que envolve o recôncavo, litoral norte e o agreste, não poderia se tornar um centro de turismo cultural?
Essa pergunta pode parecer absurda, mas vontades não faltam para quem não é surdo. Há movimentos de toda ordem nesse sentido: o movimento em prol da rodovia que liga Alagoinhas à Linha Verde; o movimento Trem de Ferro, visando o retorno do trenzinho de passageiros de Salvador a Alagoinhas; o movimento cultural organizado, há mais de 30 anos, cuidando da memória e do patrimônio histórico da cidade e, mais recentemente, com a implantação do Mestrado em Crítica Cultural, no Campus II da UNEB, um movimento envolvendo os amigos da cidade em prol da construção e visibilização de pontos estéticos culturais urbanos e rurais. Lugares nos quais seja possível filosofar, organizar saraus e pontos de leitura, caminhar sob lufadas de ar fresco, fazer piqueniques, ou simplesmente promover uma festa memorável como a que fizemos com a belíssima comunidade do Buri.
Com a criação do Conselho de Cultura, recentemente e por força da Política Pública para a cultura dos governos federal e estadual, podemos, nós da universidade, auxiliar a sociedade civil na definição e elaboração do Plano Decenal de Cultura, começando por uma mobilização em todos os bairros da cidade e incluindo, entre outras coisas, a perspectiva de um turismo cultural solidário.
Imaginem um trabalho articulado junto com a UAMA (União das Associações de Moradores de Alagoinhas), com grupos culturais e com ao menos uma escola, objetivando levantar o desejo cultural coletivo, agenciá-lo, selecioná-lo, definir uma ordem de prioridade tendo em conta a afirmação das vocações de cada bairro e a proliferação diversificada de equipamentos (centro de cultura, pista de patinação, bibliotecas, infocentros, ilha de produção, complexos esportivos, tendas de discussão, pontos de leitura, cinema digital, academias de dança afro, memoriais, museus, mercados de artesãos, agenciamento, afirmação e respeito a todos os terreiros de candomblé etc.,). Acrescentemos ainda o Parque da biodiversidade da fauna e flora no Campus II da UNEB.
Essa imagem da cidade e seus pontos culturais, combinada com um tratamento decente por parte das várias secretarias de governo, constituiria elemento decisivo para uma entrada no mundo do turismo cultural e solidário. Os vários segmentos artísticos, então organizados e com condições de se desenvolver, atrairiam artistas, produtores, financiadores e consumidores do mundo inteiro; os vários segmentos religiosos, sobretudo os excluídos, afro-indígenas, com seus ritos e sambas de rodas, atrairiam público especializado, estudiosos e praticantes do mundo inteiro. É só fazer um calendário do circuito cultural da cidade e sua zona rural e solta-lo em várias línguas...
A Alagotour: Alagoinhas Turismo Diferencial poderia começar mobilizando os grandes fazendeiros do município e estimulá-los ao turismo rural e seus hotéis fazenda, atraindo os ricaços do mundo inteiro para virem paisagens de águas límpidas, fazer cavalgadas ou corridas de jegue, ou ao menos vivenciarem o clichê do clichê turístico: dezenas de piscinas para se jogarem depois das cavalgadas ou das massagens com cachaça da terra, a exemplo das massagens com vinho na França.
Os comerciantes, não só locais mais do mundo inteiro (via intercâmbios promovidos pela cultura da Linha Verde) poderiam ser estimulados a investir em Alagoinhas Velha. Imaginem 5 ou 6 grandes ruas contíguas ao Parque do Homem Livre (Igreja Velha, como Nave Antropofágica, Parque Histórico da cidade, com vários projetos de envergadura internacional, e a Praça das Fontes, simbolizando o banho nu de todas as raças) enquanto ruas-alamedas, a exemplo das do centro de Ilhéus, recheadas de restaurantes internacionais, boutiques, livrarias de grande porte, cinemas alternativos.
Essas duas classes, comerciantes e fazendeiros, seriam a base para o turismo feito com dólares e euros. Já o turismo cultural, estético, alternativo, envolvendo todo o circuito cultural, terreiros, sambas de roda, e equipamentos culturais dos bairros e zonas rurais, seria para atrair a juventude e os espíritos libertários.
Nesse circuito, visibilizável em luxuosa e detalhada programação da Alagotour: Alagoinhas Turismo Diferencial, teríamos como que um museu aberto e vivo da cultura afro-indígena. Tudo rigorosamente mapeado e explicado para os soteropolitanos que acabaram de desaparecer ao ritmo da Axé-music, para os africanos que há 100 anos buscam se encontrar através do discurso da diáspora, para os afro-americanos que quanto mais se buscam na África mais se perdem pela ausência de raízes, ou mesmo os vizinhos (Santo Amaro, Cachoeira, etc.,) pouco inspirados para esse trabalho em virtude do pesado fardo deixado pela escravidão. Ou seja: É possível, a partir de Alagoinhas, não só darmos outro tratamento turístico ao material e imaterial afro-indígena, mas repensar e reinventar o paradigma do turismo cultural na Bahia e Nordeste brasileiro.
A criação de um Banco de Desenvolvimento do Turismo Solidário e Sustentável permitiria a captação de recursos de milhões de reais de pessoas no mundo inteiro que estão ávidas por outro tipo de turismo sem o controle de agências de viagens, sem a exploração de empresários gananciosos, sem a proliferação da miséria, com a expulsão dos nativos, nem exploração do turismo sexual pela rede internacional de pedófilos.
Do litoral no município da cidade do Prado, no extremo sul da Bahia, a São Luiz do Maranhão, ao interior de todos os estados do nordeste, que vimos num mapa turístico fixado na parede do restaurante de um Hotel em Canoa Quebrada, no Ceará, há várias formas de atração turística que vai do velho banho de mar, regado com caranguejo e cerveja gelada, windsurf, pesca, vôo livre, grutas, rapel, mergulhos, sítios arqueológicos, naturismo, cachaça, degustação de vinhos. Mas, das formas que experimentamos, duas nos chamaram bastante a atenção: a organização cultural dos paraibanos e a reviravolta científica e estética promovida pelos sítios arqueológicos da serra da Capivara.
Em João Pessoa, a Casa do Artista Popular funciona como uma vitrine que expõe obras de mais de 4.000 artesãos, os quais, através da política pública do estado, não só têm suas obras incrementadas com novos valores agregados criteriosamente definidos por curadores especialistas, mas regularmente expostas à comercialização em mercados culturais locais, nacionais e internacionais. Na Serra da Capivara, as pinturas rupestres e os mais de 300 sítios arqueológicos não só lançaram por terra a teoria norte-americana de que o homem teria vindo da Europa para a América através do estreito de Bering, mas constitui uma forma de resistência bastante consistente contra esse atual turismo predatório filho dos colonizadores, que dizimaram milhões de índios: que há 500 séculos habitavam litoral e interior do Nordeste.
É nesse sentido, que o turismo cultural em Alagoinhas, como esboçamos aqui, não só será um lugar privilegiado para encontros de alto nível de intercâmbio entre as diversas comunidades locais e internacionais, mas de reconstituição de um pensamento sobre as matrizes das culturas afro-indígenas, cujo texto em perspectiva arqueológica e histórica (para superarmos nossa condição de desmemoriados) seria o levantamento e classificação dessa imensa rede de ossos e cemitérios clandestinos que atravessa o maior latifúndio do mundo, que vai da Praia do Forte (castelo García D’Ávila) ao Piauí. Recomposição histórica não para estabelecermos uma estética da vingança, mas uma pedagogia da reeducação cultural de europeus e norte-americanos.
Se o empresário, o comerciante, e o político de esquerda ou de direita, ainda não se encorajaram, ou têm sido prudentes demais para por em movimento uma Alagoinhas radicalmente turística, os movimentos acima mencionados não cessarão de fazer barulhos. Que começam com o apito do trem... e por certo farão os vossos tetranetos ouvirem.

Apresentação

A Rede de Mobilização Cultural nos Bairros de Alagoinhas/Ba faz parte do projeto de pesquisação Estudos da subalternidade: crítica cultural comunitária e a invenção de novos sujeitos de direitos, coordenado pelo Prof. Dr. Osmar Moreira, que também coordena o Programa de Pós-graduação (Mestrado) em Crítica Cultural do Departamento de Educação do Campus II da UNEB/Alagoinhas.

Essa rede de mobilização visa a reunir gestores, produtores, criadores, mobilizadores, agitadores e consumidores culturais de cada bairro da cidade de Alagoinhas com os seguintes objetivos: a) mapear a riqueza e a pobreza cultural de cada bairro; b) constituir um arquivo completo de dados culturais e disponibilizá-lo em algum equipamento do bairro (associação de moradores, escola, biblioteca, terreiro ou em centro de documentação criado especificamente para isso); c) fazer intercambiar dados culturais entre os bairros através de agentes culturais voluntários e/ou com bolsas de pesquisa; d) construir um mapa da geografia cultural urbana e rural de Alagoinhas e disponibilizá-lo às escolas da rede pública e privada; e) fazer chegar ao Conselho de Cultura da Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer, de Alagoinhas, todas as reivindicações culturais antigas e/ou fomentadas pela nova política cultural empreendida pelos governos estadual e federal; f) constituir um sistema ativo e de vigilância quanto aos recursos destinados à cultura (2% do governo federal; 1 e meio por cento do governo estadual; 1% do governo municipal) na cidade de Alagoinhas; g) revolucionar as formas de relacionamento com a cultura em cidades do interior da Bahia e do Brasil e transformar a cidade de Alagoinhas num pólo de agitação e criação cultural.

A coordenação do projeto Estudos da subalternidade: crítica cultural comunitária e a invenção de novos sujeitos de direitos, além do apoio de mestrandos do Crítica Cultural, cujos projetos de pesquisa promovem momentos de ação comunitária, conta ainda com o apoio dos estudantes (gestores, artistas, produtores e agitadores) que participam do curso para Gestores Culturais: I Extensão do mestrado em Crítica Cultural.

Contatos:
osmar.moreira@uol.com.br